Heathcliff: herói ou vilão da própria história?
Emily Brönte conseguiu no romance “O Morro dos Ventos Uivantes”, uma façanha digna apenas de grandes mestres da literatura mundial. Através de uma história de amor comum, envolvendo um triângulo amoroso, Emily Brönte criou um enredo extremamente original, com personagens e situações que falam por si próprios. Um exemplo disto é o protagonista Heathcliff. Ao colocar em Heathcliff as condições de órfão, abandonado nas ruas, acolhido por um bom homem, Emily faz com que os leitores acreditem que ele será um personagem bom, que aceita o sofrimento e a humilhação impostos e vence tudo com heroísmo.
No desenrolar da infância de Heathcliff, percebe-se que sua personalidade distância-se de um herói romântico e sofredor. Ainda criança, o protagonista expressa desejos de vingança e sentimentos que não são muito nobres. Começa então o dualismo do personagem. Emily Brönte não oferece aos leitores um passado para o jovem. Não se conhece nada da sua história, antes de ser recolhido pelo Sr. Earnshaw, não se sabe se seus pais eram bons, se ele sofria maus tratos, se possuía já algum trauma familiar... portanto, ficamos imunes a qualquer sentimento de compaixão por Heathcliff, mesmo quando vemos a maldade de Hindley para com ele.
Mas, em várias ocasiões, Heathcliff chega a causar pena e faz os leitores odiarem aqueles que o oprimem. Mesmo em momentos nos quais exprime seu ódio e rancor, Heathcliff deixa confusos os que já o consideravam um puro vilão. No diálogo entre ele e Cathy, pouco antes da sua morte, encontramos um Heathcliff magoado, que expressa seu obsessivo amor pela irmã de criação de uma forma selvagem, mas totalmente sincera. Ele diz que amaria o seu assassino, mas, como poderia suportar ver Cathy daquela maneira? “Eu não posso viver sem a minha vida, eu não posso viver sem a minha alma”.
Estas palavras deixam claro a extrema agonia e a situação na qual Heathcliff viveria dali em diante. Ele viveria uma morte em vida, seu corpo estaria na terra, mas, sua alma, seu coração, tudo o que restava da sua humanidade, foi enterrado com Cathy. O que prende Heathcliff a este mundo, é o desejo de vingança, de tomar tudo o que pertence a Edgar Linton, o marido de Cathy.
O rancoroso Heathcliff vive implorando que Cathy permaneça com ele, noite após noite espera seu fantasma, mas nem isto lhe é concedido. Heathcliff se torna então, cada vez mais só e caminha rumo ao seu fim trágico do qual ele não desviou nem um segundo, desde que entrou na propriedade dos Earnshaw, com sua aparência escura e suja. Heathcliff se torna, desta forma, um personagem capaz de causar os sentimentos mais diversos nos leitores do romance.
Ele pode ser visto como o causador de muito sofrimento, que não sente piedade nem mesmo do próprio filho e que joga sujo numa vingança desenfreada. Pode também ser visto como uma vítima, com a cabeça cheia de traumas... as humilhações do irmão adotivo Hindley, o abandono de Cathy, que desistiu dele por causa da situação na qual ele estava, excluído da sociedade e carregando no rosto as marcas do preconceito, já que era um cigano. Os leitores de “O morro dos ventos uivantes” correm o risco de se confundir com Heathcliff e nele colocar suas próprias convicções, seus traumas e indignações perante a sociedade.
O processo de catarse expresso pela figura do protagonista é um dos mais perfeitos de toda literatura mundial. Acima de tudo, Heathcliff caminha sob dois extremos: em certos momentos, ele é uma figura que não apresenta nenhum sentimento que o possa tornar humano, fora o seu obsessivo amor por Cathy e a sua discreta afeição pela criada Nelly e pelo jovem Hareton, que ele próprio arruinou.
Em outros momentos, ele é um jovem afligido por angústias e que tem de se tornar “duro como um tronco de árvore” para sobreviver a uma sociedade que o excluí e tira dele a única pessoa que ele amava a jovem Catherine. Cabe então, aos apreciadores da Literatura Inglesa agradecer, pois, coube a uma jovem camponesa, de saúde frágil e personalidade discreta, deixar ao mundo a história de um amor cheio de força e obsessão, que venceu todas as barreiras, que a sociedade negou e que só a morte tornou possível.
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